(1)
Terra, 30 de Novembro de 2014, Cidade de Nova York. Era véspera de Halloween. Todos estavam fervorosos aguardando a grande festa que o Sr. Sidney, dono do hospital, oferecia todo ano aos seus funcionários. Ele sempre se mostrou um homem muito sério, de poucas palavras, mas sempre fazia questão de agradar seus funcionários. Costumava dizer: "funcionários felizes são garantia de clientes felizes". Eu já havia alugado minha fantasia. Um longo vestido preto e roxo no estilo medieval. Tinha certeza que minha mãe teria feito melhor, mas foi o que consegui arrumar em tão pouco tempo. Aliás, tempo é o que me falta para quase tudo na minha vida. Meu dia se resume entre o trabalho e casa. Quando não estou de plantão, estou em meu apartamento dormindo ou cuidando do meu pequeno herbário. Fiz poucos amigos desde que sai da Flórida e isso já fazem 8 anos. Uma vez ou outra, um deles deixa um recado na secretária eletrônica, mas dificilmente respondo.
(2)
Já havia passado das cinco da manhã, estava muito exausta naquele plantão. Nunca havia trabalhado tanto numa noite só. Além da rotina normal de um centro de emergência, tivemos um grave acidente. Um ônibus se chocou com um carro de passeio na Quinta Avenida. Dezenove feridos e dois óbitos. Um deles ainda chegou vivo no hospital, uma menina de 14 anos. Mesmo com todo esforço da equipe médica, a jovem não resistiu a uma segunda parada cardíaca. Somos treinados para lidar com a morte de maneira prática, não expressamos nossos sentimentos em relação à morte de um paciente, mesmo que nos aflija por dentro...O plantão terminaria em poucas horas, assim poderia ir para casa, tomar um bom banho e descansar um pouco antes da festa. Eu não parava de olhar o relógio, afinal, Marcus estaria lá e eu não podia perder a oportunidade de olhar mais uma vez para aqueles olhos verdes.
(3)
Fim de plantão. Apressada segui a passos largos em direção à garagem, só pensava na ducha bem quente sobre os meus ombros e na taça de vinho me esperando sobre a cômoda do quarto. Já com as chaves na mão me preparando para abrir o carro, para minha surpresa e desespero, os dois pneus detrás estavam furados. Levei as mãos até a cabeça. Quem poderia ter feito tal maldade? Mas de nada me adiantaria tentar achar culpados naquele momento. Peguei o celular para achar algum mecânico que estivesse disponível. De repente senti um leve toque no ombro esquerdo. Era um toque muito suave e gentil e logo depois ouvi uma voz conhecida falar o meu nome. Era Marcus me oferecendo ajuda. Desliguei o celular, estava cansada demais para negar qualquer que fosse o socorro. Marcus era um estagiário que há poucos meses viera trabalhar no hospital. Alto, loiro, corpo atlético fenomenal. Por inúmeras vezes nos esbarramos pelos corredores, mas nunca trocamos palavras, nem um bom dia. Às vezes, sentia que me observava de longe, mas sempre fui tímida demais para tentar uma aproximação e meus olhos sempre desviavam dos dele. Mesmo que para mim Marcus ainda fosse um total desconhecido, aceitei a ajuda de bom grado. Partimos em direção ao seu carro deixando o meu para trás.
(4)
Durante todo percurso, Marcus fez inúmeras perguntas. Queria saber de onde eu era, onde estavam meus pais, um verdadeiro interrogatório. Acho que se eu não estivesse tão cansada, talvez ficasse um pouco mais feliz de estar ao lado dele, mas eu só pensava em tomar uma chuveirada e me jogar nos meus lençóis macios. Sua insistência foi vencendo o meu cansaço. Mas eu não tinha muito o que dizer, apenas que havia perdido meus pais muito cedo num acidente de automóvel. Meu pai oficial da Marinha, minha mãe costureira. Ainda conseguia lembrar dos vestidos que ela fazia quando eu era criança, vestidos rodados com laços de fitas amarelas. Ela sempre tinha uma encomenda e vivia com o avental cheio de alfinetes. Depois do acidente fui mandada para uma escola de meninas sob guarda do Estado. Minha única tia dizia que não tinha condições de me criar, eu tinha pouco menos de 9 anos. Cresci cercada por mulheres, onde não era permitido a entrada de homens no Liceu onde estudava. Quando completei a maior idade, peguei a herança dos meus pais e fui conhecer o mundo. Mas nunca fiz laços de amizades ou finquei raízes em parte alguma. Estudei medicina e vim para Nova York onde estou já algum tempo. Ele apenas olhou para mim e sorriu.
(5)
Já em casa, a única coisa que eu desejava era poder me desfazer daquelas roupas suadas com cheiro de hospital e emergir na banheira com água quente e sais de banho. Deixei o vestido pendurado no cabide e caminhei até o banheiro levando comigo uma taça e uma garrafa do mais doce vinho. Adorava degustar um bom vinho após uma jornada de trabalho, me ajudava a relaxar e esquecer as tristes lembranças de um centro de emergência. Rapidamente fui removendo minhas vestes e antes de deleitar-me na banheira, liguei o som que ficava próximo e num volume bem baixinho, pude recostar minha nuca. Sentia o meu corpo cintilar sobre a água de temperatura morna, e entre uma golada e outra de vinho, minha mente ia de encontro à fantasia. Fazia tempo que eu não sentia a mão masculina sobre meu corpo, a ocupação no trabalho me afastava dos possíveis pretendentes e sempre fui criteriosa demais para aceitar qualquer um. Por um breve instante pensei em Marcus, sorri quando lembrei da maneira como nos despedimos mais cedo. Sai do carro agradecendo pelo socorro e mal dei tempo ao rapaz de dizer uma só palavra. De repente minhas mãos já estavam acariciando meus seios. Os mamilos rosados estavam duros. Minhas mãos hábeis percorria por todo meu corpo, do pescoço ao baixo-ventre. A respiração ficava cada vez mais ofegante. Sentia o gosto do doce vinho enquanto passava a língua entre os lábios. Com a mão esquerda entre as pernas, tocava delicadamente meu clitóris, sentindo meu corpo tremer. À medida que o prazer aumentava os gemidos intensificavam-se. Um grito tênue evidenciava o auge do orgasmo. Apenas sorri como uma menina que pratica uma de suas travessuras levando à boca a última gota de vinho da taça. Em poucos instantes eu havia adormecido.
(6)
Eu havia dormido por quase 5 horas, mas não me lembrava de ter ido para cama. Mas, também, não fiz questão de achar respostas. Depois de uma garrafa inteira de vinho, já era de se esperar que a mente desse lapsos de memoria. Espreguiço meu corpo nu jogado sobre os lençóis como um animal felino que se emaranha em um novelo de lã. Um barulho vindo de fora do quarto chama-me a atenção. Visto o roupão estranhamente esticado no canto da cama e sigo até a sala. A porta da sala estava aberta. Vou em sua direção e não encontro nenhum sinal de arrombamento. As chaves continuavam no mesmo local deixado quando cheguei. Tranco-a novamente e preocupo-me em travar o ferrolho. As janelas batem com a ação do vento, começa a chover, corro para fecha-las. A barriga começa a roncar e lembro que não havia ingerido nada até o presente momento. Vou até a cozinha, abro os armários, a geladeira e o vazio me fez lembrar que precisava fazer supermercado. Pego uma maçã que pela sua textura aparentava ainda estar apetitosa. Em decorrência da profissão criei o horrível hábito de alimentar-me nos mais estranhos horários, ou às vezes, mal conseguia ingerir algo. Após a segunda mordida na maçã, lembrei-me do vestido deixado no cabide e volto ao quarto para experimentá-lo. Ali estava, no mesmo local onde eu o havia deixado, mas algo parecia diferente. Sua cor ou textura pareciam mais vívidos. Retirei-o do cabide e pus-me à frente do espelho esticando o vestido diante do meu corpo. Era hora de começar a me arrumar.
(7)
O porteiro interfona informando que o táxi já havia chegado. Prontamente desço as escadas, degrau a degrau para não provocar nenhum acidente. Nunca havia me familiarizado com os saltos altos, na maioria do tempo ou estava de tênis, ou descalça. E certamente as escadas me lembravam que eu precisava mudar de prédio, descer e subir até o quinto andar todos os dias não estava sendo tarefa fácil. Finalmente, chego ao evento. "Dance até morrer" era a frase que líamos logo na entrada do salão. Seria cômico se não fôssemos todos da área médica, afinal juramos zelar pela vida. Deveria ser mais um jargão do Sr. Sidney ao qual ele inventava um novo a cada ano. Podia se ver de tudo, fadas, bruxas, espantalhos e até mesmo pessoas vestidas de médico. "Quanta imaginação ou a falta dela", brinquei comigo mesma. Logo me enturmei e entre salgadinhos e taças de champagne, fomos jogando conversa fora até altas horas. Meus rins davam sinal de que precisava ir ao toalete. Enquanto caminho pelo corredor até o toalete, percebo algo em um dos bolsos do vestido. Era um pequeno frasco de vidro e dentro havia um líquido de coloração azul anil. Olho em minha volta e não vejo ninguém. Volto a guardar o pequeno frasco no bolso para examiná-lo mais tarde. E a festa continuava. Vez ou outra meus olhos percorriam pelo salão procurando pelos do Marcus, mas não o avistara até então. O cansaço começa a bater, e apesar de não trabalhar no dia seguinte sabia que era hora de me retirar. Enquanto me despeço dos colegas, vejo Sr. Sidney acenando com as mãos em minha direção chamando meu nome, "Elisabeth!". Olho para um lado e outro e percebo que era comigo. Caminho até ao seu encontro, agradeço por mais um ano de evento e me despeço. Mas ele insiste que eu fique e que precisava me contar algo de suma importância. Logo fico preocupada pensando em ser algo grave sobre o hospital, diversas vezes ouvimos rumores de que fecharia por falta de verbas. Sigo logo atrás e depois de caminharmos alguns minutos, chegamos a uma pequena saleta. Vejo pouca mobília, apenas uma mesa e três cadeiras, e mais à frente um pequeno freezer. Ali mesmo de pé, Sr. Sidney começa a relatar alguns problemas decorrentes do hospital. De repente sinto uma mão em meus ombros. Antes mesmo que eu pudesse me virar, algo parecido com uma flanela é colocada em minhas narinas. Ao recobrar a consciência, mesmo com a visão ainda turva, vejo-me sentada ao lado do Sr. Sidney e de outro homem mascarado. Eu poderia reconhecer de longe àqueles olhos. Sim, era Marcus que retira o pequeno frasco de vidro de meu bolso e ordena que eu o beba.
(8)
Em algum lugar em Gor...
Acordo bastante assustada. O corpo estava dolorido. Havia sangue escorrendo por um corte em meu braço e outro na cabeça. Me levanto bem devagar tentando me erguer de pé. A cabeça da voltas e sento-me rapidamente ao chão. Eu estava completamente nua. A minha volta havia destroços do que parecia ser uma avião ou coisa parecido. Eu sentia o cheiro da fumaça, mas não havia indícios de fogo. Gritei na tentativa de me fazer ouvir, afinal podia ter outros assim como eu naquele local. Mas não obtive resposta. Sentia que precisava sair dali, buscar ajuda. Estava machucada, desorientada, não sabia onde estava ou como havia chegado ali. Não lembrava quem eu era, nem ao menos se tinha um nome. Resolvi permanecer alguns poucos metros do acidente na esperança de alguém chegar com socorro. À noite, parecia não ter fim. Estava assustada demais para fechar meus olhos. Ouvia barulhos estranhos vindos dos arbustos que ficavam próximos, me encolhia de medo. Vez ou outra via um animal de longa cauda voando ao alto fazendo um rugido estranho. Deitada ao chão, tentava não me mover na esperança de não ser notada e devorada pelo que quer que fosse. Nas primeiras luzes do dia, coloquei-me de pé, o braço sangrava bem menos. Sentia-me enjoada, o corpo parecia flutuar. Eu não podia permanecer ali para ser devorada, mas tinha medo do que podia encontrar pela frente. Tomei o pouco da coragem que me restara e caminhei em passos bem lentos em direção a floresta tomando todos os cuidados para não ser vista e devorada por algum animal feroz. A natureza do lugar era de beleza admirável e apesar de não me recordar de qualquer outro tipo de mata, continuei a caminhada contemplando aquele lugar como se estivesse pisando ali pela primeira vez. Mais à frente avisto uma estrada de pedra que certamente deveria ser mais segura do que continuar pela floresta e decidi que não pararia até estar em segurança.
(9)
Após um dia de caminhada, com frio e fome, sinto o frescor da brisa do mar. Avisto ao longe um porto e uma grande embarcação que se preparava para partir. Dois homens de braços fortes se encarregavam de colocar algumas caixas para dentro da embarcação. Imaginei que, talvez, fosse uma oportunidade para sair daquele local. Apesar do medo que sentia e da total falta de informação a respeito de onde estava e como havia chegado ali, tentei uma aproximação amigável, cobrindo meu corpo nu apenas com as faces das mãos. Ingenuidade a minha em pensar que dois brutamontes prestariam ajuda a uma estranha nua. Um dos homens me pegou pelos braços e lançou-me sobre uma das caixas enquanto o outro sorridente apenas assistia. Eu pedia para parar enquanto ele forçava minhas pernas mantendo-as abertas. No momento em que o grande homem se preparava para abrir o zíper das calças, um terceiro homem, baixo com idade um pouco avançada, do alto da embarcação ordena para que o homem se afastasse de mim. Imediatamente ele obedece. O velho homem aproxima-se e começa a me examinar. Verifica meus dentes, meus cabelos, passa suas mãos entre minhas pernas examinando minha intimidade e sem que eu soubesse o que estava acontecendo, ordena ao homem sorridente que me colocasse na embarcação dizendo que eu era boa mercadoria da Terra. Assim fui jogada ao convés junto há outras garotas e um monte de caixas de madeira. Não sabia para onde estava indo e nem se conseguiria chegar, mas o mais importante naquele momento é que eu estava viva.
(10)
Durante os dias que passei na embarcação, ouvi muitas histórias advindas das garotas que ali estavam. Trancadas em um curto espaço, dividindo o local com caixas enormes e outras menores, entendia muito pouco sobre o que elas diziam e muito menos o dialeto ao qual usavam. A única coisa que eu sabia é que havia sido raptada e estava sendo levada para algum lugar por alguém que parecia um mercador ou traficante, fato evidenciado pelas amarras e correntes que todas as 7 garotas usavam, inclusive eu. Mas pelo menos eu havia sido alimentada, uma ração branca não muito apetitosa, mas que fazia meu estômago parar de roncar. Já em terras firmes sou trancada em umas das caixas. Apenas um buraco do lado esquerdo permitia que não morresse pela falta do ar. Pelo sacolejar e barulho das rodas, sentia que estava sendo transportada em uma carroça. Mal conseguia me movimentar, minha cabeça batia na madeira todas às vezes que o transporte parecia tropeçar em algo. Passei horas trancada naquela caixa sem vê a luz do sol até que percebo que a agitação e balançar da caixa havia cessado. Provavelmente, havíamos chegado ao destino. Quando removeram a tampa, eu não tive coragem de olhar. Passei alguns minutos encolhida ali mesmo, sem me mexer na esperança de que tudo não havia passado de um engano. Minutos depois, uma mão é lançada dentro da caixa e uma voz de mulher ordena que eu seja vista aos seus olhos. Bem devagar, com os olhos entreabertos devido a luz local e com o corpo em dormência, coloco meus pés no chão frio. À minha frente vejo uma mulher toda encoberta com longos trajes de coloração verdes, apenas seus olhos ficavam à mostra. Eu certamente deveria agradecer a esta mulher por estar viva ou odiá-la por estar nesta situação. Nenhuma coisa nem outra, eu não sabia o que estava sentindo nem tão pouco o que esperar daquela mulher.
(11)
Eu estava na Cidade de Sardar Fair, contou-me a mulher enquanto me ofertava uma túnica de sedas finas num tom rosado. Aquela mulher ao qual eu deveria chamar de agora em diante de minha Mistress me ensinou tudo que eu deveria saber sobre Gor e a maneira como me comportar perante seus habitantes. Eu não conhecia outro mundo, tudo que era do meu conhecimento, havia sido apagado no momento que pisei neste Mundo, provavelmente, quando bati a cabeça. Mas este fato não me foi contado, muito menos que eu havia sido encomendada e trazida da Terra para este Mundo. Permaneci na ignorância dos meus pensamentos, bem como no alfabetismo local. Não era desejo de minha Mistress que eu fosse letrada na escrita de Gor. Eu sabia falar em Gor, mas não sabia ler.
Por algumas vezes, a pedido de minha Mistress, vestida em seus trajes livres, fui até o hospital da cidade cuidar dos doentes em seu lugar. Era uma medicina nova para mim, mas aos poucos fui me inteirando com as práticas locais. Eu falava pouco ou quase nunca falava para não levantar suspeitas. Ainda não sei como consegui clinicar desta forma, penso que talvez pela ignorância daqueles que frequentavam o estabelecimento. Quando retornava pra casa, removia todo traje, vestia novamente o traje escravo e permanecia trancafiada em um dos quartos da casa. Não tinha contato com mais ninguém. Os outros escravos ficavam em alas distantes e eu não conhecia a rotina da casa, a não ser as contadas por minha Mistress. E os anos se passaram e eu continuava habituada a mesma rotina.
(12)
Lembro-me bem daquele dia. Na saída do hospital, por volta das 12 Ahn, ao descer a ladeira principal que me levaria de volta à casa de minha Mistress, avisto um lindo homem acompanhado de sua menina em suas correntes. Quando avistei aquele homem pela primeira vez, senti algo que jamais conseguiria explicar com palavras. A vontade que tive era de chegar mais perto para que pudesse contempla-lo melhor, mas tinha medo de ser descoberta e mantive distância. Permaneci o observando de longe, detrás de uma pilastra e ora ou outra o seguia com muita discrição. Que sentimento era aquele que invadia meu corpo e fazia quere-lo para mim? Senti uma imensa vontade de estar no lugar da menina, pois até as correntes eram mais felizes que eu naquele instante. E o que eu sabia sobre felicidade? Comecei a me sentir confusa perante o que estava sentindo, mas não conseguia desviar o meu olhar. Minha Mistress nunca havia conversado sobre o amor e eu não entendia o fato daquelas meninas se sujeitarem aquelas correntes, até aquele dado momento. Eu poderia ter ficado horas ali o admirando, mas ele havia se misturado a multidão e desapareceu dos meus olhos. Não havia percebido que era tarde, o sol já tinha se deitado e eu sabia que receberia punições por isso. Ao chegar em casa minha Mistress estava aflita à minha espera. Naquele momento soube o verdadeiro lugar de uma kajira. Ela sabia se amável quando necessário, mas também sabia ser rude quando infligíamos suas ordens. Eu jamais esqueci a dor de sua punição.
(13)
Minha Mistress estava muito doente, algo que não tinha cura. Ela recusava receber ajuda e um dos motivos de me fazer passar por ela, já que havia semelhanças físicas, era que ela não queria abrir mão do hospital ao qual trabalhou por anos. Ela amava o que fazia. Ninguém da cidade sabia da minha existência a não ser o velho que deveria estar a essas alturas bem longe. Continuei cuidando do hospital e ao voltar, minha atenção e cuidados eram todos voltados à minha senhora. Ela precisava de mim, por isso me tratou com dignidade mesmo contrariando as leis de seu Mundo. Num momento de delírio e dor, ela me conta que era casada e que seu esposo, também da Casta Verde, estava há muito tempo longe e o quanto ela se sentia infeliz por ele não dar a menor importância a sua existência. Ela odiava as kajirae do esposo e as castigava sempre que podia. Após desabafar todas as suas angústias, ela adormecia dopada por Valerian, uma mistura tranquilizante e analgésica preparada por mim.
O dia havia amanhecido nublado, eu pedi para ficar e cuidar de minha senhora, mas ela fazia questão de primeiro cuidar de seus pacientes através de mim e eu obedecia. Por alguma razão, eu sentia plena satisfação em cuidar e zelar pela vida de quem precisava. Na volta pra casa a encontrei caída no chão. Seu corpo gélido. Sua pele roxa. Não havia batimentos cardíacos e sua pupila estava dilatada. Minha Mistress estava morta. Ao vê-la estendida ao chão comecei a imaginar mil coisas que poderiam acontecer comigo quando soubessem de sua morte. Eu havia se passado por uma livre durante os 5 anos que vivi naquela casa, ninguém sabia da minha existência. Eu poderia ficar e continuar com a farsa, mas havia o marido, o que eu faria se ele resolvesse voltar, certamente me mataria. E o que eu faria com o corpo? Comecei a entrar em pânico, minha mente não parava se sugestionar, andava de um lado para outro do quarto. Alguém bate à porta, permaneço em silêncio até que percebo que se foi. Seu marido não conhecia a minha face, aliás, ninguém daquela cidade poderia me reconhecer quando eu tirasse o véu.. Resolvi fugir antes que fosse descoberta e recebesse o merecido castigo pela minha usurpação deixando, não tão somente o corpo da mulher, como tudo o que havia acontecido até então para trás..
(14)
Eu precisava ser rápida. Ainda como mulher livre caminhei até o porto de Sardar Fair e permaneci em uma embarcação que estava ancorada rezando para que a mesma não demorasse a levantar âncoras. Horas depois ouço a embarcação partir. Por algum momento, senti-me aliviada, aquelas roupas eram a minha segurança, mas não seriam por muito tempo. Olhei para os lados e não havia ninguém me observando. Rapidamente, retirei-as do meu corpo e as joguei por uma pequena janela que havia à minha frente. Eu conhecia aquele tipo de embarcação, agora bastava encontrar as outras garotas e juntar-me a elas. Eu não possuía a marca, tão pouco vivia sob um colar, com exceção da clausura, vivi como livre e longe de minha Mistress eu poderia ser quem eu quisesse ainda que vivesse sobre os preceitos e leis de um mundo ao qual eu pertencia agora.
Procurei agir como as garotas agiam, algumas, também, sem a marca. Eu observava seus comportamentos, a maneira como falavam, havia aprendido bastante sobre o dialeto de Gor. Algumas delas se mostravam agressivas, arredias, outras apenas se mantinham em silêncio. Pus as minhas mãos para trás para que qualquer pessoa que entrasse naquele lugar não visse que eu não estava atrelada à correntes. Imaginava que conseguiria fugir assim que desembarcasse. Fui tola em meus pensamentos. Após alguns dias, cativa, descemos num porto. Um homem alto, de cor negra, carregando uma espada de um lado da cintura e na outra um chicote estava aguardando no porto, certamente, a espera de sua mercadoria. Fomos lançadas na traseira de uma carroça que era envolta por um fino tecido. Entre as frechas do tecido eu observava a imensidão que se afastava dos meu olhos que cheios de lágrimas, deixavam uma pequena parcela de minha historia para trás. Apesar de toda experiência que me faltava naquele mundo, eu era uma menina sensata e não me preocupei em fugir, isto não estava em meus planos, pelo menos não por hora.
(15)
Após algumas horas, chegamos ao nosso destino. Meus olhos acompanhavam sorrateiramente o lugar à medida que éramos levadas enfileiradas a um quarto escuro. Ali permaneci até que o homem de chicotes veio me buscar acorrentando-me. Juntei-me a tantas outras garotas que encontravam-se ajoelhadas sobre suas pernas, suas mãos estendidas sobre suas coxas e as palmas viradas para cima. A coluna ereta e o olhar para o chão, esperavam por seu destino. Permaneci calada com meus olhos sempre voltados para o chão. Havia muita movimentação. Ora chegavam novas garotas, ora outras eram levadas por diferentes homens. E eu permaneci ali sem saber o que o que aconteceria comigo.
Eu me sentia cansada, assustada. Me perguntava por mais quanto tempo aguentaria aquela situação. Eu queria gritar, sair correndo não importava pra onde. Minha respiração aumentava de intensidade, eu sentia meu coração apertado. Lágrimas começaram a descer do meu rosto. Eu estava disposta a aceitar as punições provindas da minha rebeldia e quando, finalmente, me preparava para correr, vi o Livre, o mesmo Livre pelo qual me encantei há alguns anos em Sardar. Foi então que eu ouvi a sua voz pela primeira vez a negociar com o mercador. Ainda havia uma esperança, pensei comigo mesma enquanto ele caminhava em nossa direção. Examinou algumas garotas, apontou para uma ou outra, fez cara de insatisfação, passou diante dos meus olhos e saiu. Pouco tempo depois fui levada. Implorei para saber para onde estava sendo transferida. A única resposta que recebi foi: Salíria.
Naquele exato momento em que pisei em Salíria, eu deixei de ser uma menina que olhava para o vazio e me transformei em alguém com um propósito. Eu compreendi que ser uma kajira treinada seria a oportunidade de conseguir outra coisa, um lugar no mundo dele. A partir de então, iniciei uma nova jornada em minha vida; vida da qual não me pertencia mais. Eu era dele, sua propriedade. A ele, tão somente a ele devia obediência.
(16)
Elizabeth foi levada de navio para uma ilha conhecida como Salíria. Logo que pôs seus pés no chão, a menina pode sentir as pequenas granulações que cobriam toda a superfície do lugar. Seus pés iam deixando marcas de pegadas pela areia branca reluzente, enquanto o vento forte que sopravam do mar encobriam as pegadas. Não havia como deixar de apreciar a beleza do lugar. Por alguns segundos, ela fechou os olhos, encheu os pulmões do mais limpo ar e soltou-o bem devagar como se estivesse sonhando. Um empurrão nas costas a faz lembrar onde e porque estava ali. Era novamente uma escrava, nada mais que uma escrava. Caminhou escoltada presa por correntes até uma pequena gaiola não mais que 1x1m em suas dimensões. As portas foram trancadas por cadeados, o som do ferro negro batendo ecoou em seus ouvidos. Ali ela foi jogada e esquecida sob o quente e escaldante Sol.
Passando alguns dias engaiolada sob forte sol, sem água e comida, é levada ao Canil sob os cuidados do Slaver de Salíria e sua menina para receber um treinamento. Antes mesmo que o treinamento pudesse acontecer, Elizabeth é levada às pressas, arrastada e acorrentada aos porões de um navio. Em sua cabeça foi colocado um saco deixando a menina inerte a tudo o que acontecia à sua volta. Em alguns dias o navio ancora na Cidade de Victoria...
...
"Chamo-me Elizabeth, fui arrancada do meu solo e trazida para cá e aqui estou. Eu não sou de Sardar Fair, bem como não pertenço à Salíria, nem à Victória. Uma escrava não possui Home Stone, ela caminha no sentido dos passos de seu Mestre. Para onde ele for, eu irei. Para onde me designar, assim farei...Sinto o fogo nascer entre minha carne. Sou uma escrava disciplinada, inteligente e apaixonada. Aprendi a não fazer planos, pois estes, não me pertencem mais. Sigo meu destino como as águas que transitam pelo Thassa abraçando suas margens, sem ter perdido minha personalidade (claro!). Onde desaguará? Eu, realmente, não sei."
Acompanhe a Saga de Elisabeth Cardwell no SL.
Todo o conteúdo de residentSL.blogspot.com é protegido pela Lei de Direitos Autorais.
Por Latikha Lin
Nenhum comentário:
Postar um comentário